Nasço um nascimento. Mais um... Me parto e renasço
com mais vontade de viver. Hoje? Vou ao cinema!
Feliz, feliz da vida! Assim estou e o filme começa,
e a ficha vai lentamente caindo. É um filme argentino
com Darin, é claro. Na platéia me vendo sem nada falar,
ele me diz: - desista! - Não Darin, respondo.
Sigo, prossigo, cabrero, confesso: Menino teimoso!
Diria minha mãe. Insisto. Viro, me reviro na poltrona.
Minha vida revirada na tela. Tento fugir, não consigo.
No escuro, um vulto se aproxima. É Gardel! Não acredito!
Gardel ou o seu fantasma, pouco me importa,
para mim é Gardel em pessoa. Ele começa a cantar baixinho
um tango estranho e antigo, esquecido numa vitrola,
num cassino abandonado em Mar del Plata.
Desisto, me entrego, entro cada vez mais no filme.
Gardel me inspira e me vejo cantando um tango silencioso,
de saudades que não me lembro, tristezas oblíquas,
negativos mofados de fotos que nunca revelei.
Pequenos papéis achados nos perdidos,
cheios de nomes e telefones de quem esqueci.
Mulheres que se foram e às vezes voltam,
em sonhos que me acordam, por saudade ou vingança,
por mim inventadas e não me deixam dormir sossegado.
O filme termina. Darin tinha razão. Gardel se afasta
e me deixa um tango apenas por mim escutado,
nesta mais uma noite de encontros esperados
que jamais encontrei. Procuro um rápido abrigo,
uma porta me escolhe, entro e me arrependo,
mas a noite me empurra. Vozes insuportáveis
de um infinito barulho, bar lotado, entupido,
cheio de mesas que falam próximas, que de tão próximas
me faço íntimo de pessoas que nunca vi.
Minha privacidade invadida reclama, meu ser cansado,
o interior falido, concorda. Me vejo cercado de almas
que bebem felizes e outras, perdidas, desesperadas
buscam um inesperado encanto nos trôpegos desenganos
de noites vazias de fim. Meu chopp chega, bebo rápido de ir embora.
Não dá! desisto. Levanto acampamento, pago, saio, esqueço,
subo a ladeira de casa. Um vulto se aproxima.
Gardel de novo? Mais um tango? Não, não é Gardel,
Meu Deus, é Bandeira! Gentil, num silêncio solidário,
me acompanha ladeira acima até a minha casa.
No meio do caminho, hoje, não tem Drummond e nem a sua pedra.
Hoje, só tem Bandeira. Chego na porta de casa. O seu silêncio me intriga.
O que ele faz aqui? Enfim ele se chega, segura meu braço e diz: - Fale, fale... Não me contenho e começo a falar. No início cheio de dedos.
Conto-lhe o filme, o que Darin me disse, Gardel e os tangos,
e os pedaços do pouco que sobrou de mim. Me empolgo,
falo mais alto, Bandeira me instiga. - Conte, conte mais.
Sua voz também sobe. Minha mulher acorda assustada,
abre uma janela discretamente. Os vizinhos acendem as luzes,
os cães ladram, rosnam embriagados de sono.
Pouco me importo, Bandeira, insiste:- Vamos, continue!
Não resisto, num impulso grito em alto e bom som:
- Meu caro Poeta, me desculpe, mas vou-me embora pra Argentina!
Lá sou amigo de Darin. Lá terei a minha mulher que eu amo
Na cama que escolherei. Cama? Pra que a cama? Sexo na sala é muito melhor! Pasárgada deve ser muito longe. Buenos Aires, é aqui do lado.
Três horas de voo. Vou-me embora pra Argentina! Vou ser lanterninha
de um cinema de Buenos Aires! Bandeira solta uma
estridente gargalhada e como surgiu, desparece.
Para minha eterna solidão.
Para Bety, minha mulher,
que dela tenta me afastar.
Em memória de Manuel Bandeira,
Drummond e todos os poetas
que me fizeram ver
que a vida é a melhor poesia.
Para Darin e o Cinema Argentino,
que me fizeram entender, enfim,
que o cinema e a vida
são a mesma coisa.
¡Viva el cine argentino!
Obrigado a todos vocês!
Maurício Porto
Rio, 10 de novembro de 2011.
Do meu livro - Ladeiras do Silêncio
que bom que você voltou!
ResponderExcluirBelo texto, abraços.
ResponderExcluirPadão
Tio, lindo texto, besos grandes! Tu sobrina, Cecilia
ResponderExcluirMi sobrina querida Cecilia, su tío se ha convertido en un ciudadano argentino, después de la primera película que vi con Darin. Besos y abrazos para usted y su esposo Luis Alberto y también para sus hijos. ¡Viva el cine argentino!
ResponderExcluirCaro Fernando do arqpadao. muito obrigado! Você como sempre presente e solidário amigo. Como "Vou-me embora para a Argentina", estarei bem perto de Porto Alegre,e de ti. Assim poderei enfim conhecê-lo pessoalmente. Um abração meu irmão e parabéns pelo seu blog, como sempre impecável!!!
ResponderExcluirComo assim vou me embora? estas de mudança?
ResponderExcluirabraços
Fernando
Realmente, Buenos Aires é mais perto.
ResponderExcluirViu "Un Conto Chino"? Que bom, não é?
ResponderExcluirAbração,
Cesar
Aqui estou eu,te visitando. Também gosto muito de filmes argentinos, mas nem por isso vou pra Argentina! Lá faz muito frio,não tem praia e,vou confessar: não aguento morar fora do Rio. Já visitei vários países, mas prefiro o Brasil,apesar de todos os problemas. Gostei muito deste seu poema,diz muito, mas,como você propôs,melhor falarmos por e-mail,já que não entendi,mesmo lendo o que escreveu aqui, o porquê de você fechar o outro blog. Há pessoas que são tão fundamentais nesta web lotada de... deixa pra lá. bjss... to te seguindo! :D
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